ENTREVISTA COM A ESCRITORA ANA ARRUDA CALLADO E A PRODUTORA JÔ RAMOS SOBRE O DOCUMENTÁRIO "MULHERES BENDITAS".
DOCUMENTÁRIO "MULHERES BENDITAS"
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
domingo, 31 de julho de 2011
Doumentário
ESTE DOCUMENTÁRIO ESTÁ REGISTRADO NA BIBLIOTECA NACIONAL E NO MINC- MINISTÉRIO DA CULTURA.
terça-feira, 26 de julho de 2011
MULHERES BENDITAS
Somente hoje, em meados do século XXI, as mulheres ganham expressão. Embora ainda tenham muito o que conquistar, deixaram de vez o papel de coadjuvantes para assumir seu lugar na história. Ao analisarmos a história recente do Brasil, podemos constatar que apesar de todas as dificuldades enfrentadas ao longo do século XX , algumas mulheres se destacaram no panorama nacional. É a historia dessas mulheres a frente de seu tempo que queremos mostrar. A vida dessas 6 mulheres, retratada pela jornalista Ana Arruda Callado, o que elas têm em comum e o legado deixado por elas, será o enfoque do documentário.
São elas: Maria José Barbosa Lima Sobrinho, Adalgisa Nery, Jenny Pimentel, Lygia Lessa Bastos, Darcy Vargas e Berta G. Ribeiro.
Vamos mostrar o olhar da sociedade sobre essas mulheres, a relação com o Brasil da época do Estado Novo, a era de Getúlio e traçar um paralelo entre elas, evidenciando as semelhanças e contrastes. Um melhor entendimento feminino-político-social das décadas de 30/40/50.
Ana Arruda Callado, autora dos perfis bigráficos dessas mulheres maravilhosas, é jornalista e escritora pernambucana, presidiu o Conselho Administrativo da Associação Brasileira de Imprensa-ABI, e o Conselho Estadual de Cultura, do qual é membro efetivo. Foi professora da UFF, UFRJ e PUC.
Biografias de mulheres
Em seu livro autobiográfico, Memórias de uma menina católica, publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 1987, a escritora norte-americana Mary McCarthy diz uma coisa que muito me impressionou e que de certo modo orientou meus trabalhos posteriores de pesquisa para livros.
"Lembro-me da vez em que ouvimos cantar um rouxinol, no boulevar, perto do convento de Sacré-Coeur. Mas não há rouxinóis na América do Norte."
Tanto me impressionou que utilizei o trecho como epígrafe do segundo perfil biográfico que escrevi, Jenny, amazona, valquíria e vitória-régia, publicado em 1996. É que há muito desconfiava da memória como guardiã de fatos verdadeiros. E, no decorrer da pesquisa sobre Jenny, tudo ficou ainda mais claro para mim. Ou mais complicado, porque, se a memória não guarda a verdade, como acreditar nos depoimentos? Qual das versões que ouvimos ou lemos vamos utilizar nos livros?
Uma experiência que fiz então em família só me deu mais certeza de que a memória é mesmo bem 'mentirosa'.
Mas há os documentos, dirá alguém. Sim, alguns deles muito úteis. E os que não sabemos por quê foram preservados em detrimento de outros, com que intenções foram redigidos? Enfim, também não são tão confiáveis. Voltemos a Jenny.
Jenny Pimentel Borba nasceu na cidade paulista de Serra Negra, uma encantadora estância hidromineral, cujo nome estava na minha memória pessoal ligado a meus pais, que teriam o hábito de lá descansar de vez em quando. Passei uns dias em Serra Negra, procurando traços de Jenny - havia pouquíssimos - e hospedada em um certo Rádio Hotel. Antonio Callado me acompanhou nesta viagem e quando, na portaria do hotel, indaguei, quase que para mim mesma, "será que Painho e Mainha se hospedavam aqui?", ele sorriu e me disse: "Ana, você não veio aqui em busca de Jenny; veio em busca de seus pais".
Mais uma desconfiança que se tornava certeza: todo escritor só escreve sobre si mesmo.
Na volta ao Rio, procurei três de minhas irmãs - tenho uma porção de irmãs - e perguntei a cada uma delas, separadamente, se, de fato, nossos pais costumavam passar dias em Serra Negra. Recebi três respostas bem diferentes. Uma, a mais velha das três, afirmou que eles nunca tinham ido a Serra Negra; só iam a Cambuquira, nas férias que tiravam da criançada. A segunda confirmou o que eu lembrava: iam, sim, quase todo ano, e só os dois. "Mainha adorava", acrescentou. A terceira garantiu que, não só eles iam a Serra Negra, como em uma das vezes a tinham levado.
É claro que, àquela altura, já sabia que a memória é uma construção social e não um tesouro pessoal. Já havia sido apresentada, no meu curso de doutoramento tardio (fiz o doutorado depois de décadas de exercício do jornalismo) a Maurice Halbwachs, o grande sociólogo pioneiro dos estudos de memória social, que foi executado no campo de concentração de Buchenwald em 1945. No Brasil, na década de 1990, ele ainda era uma novidade; hoje há até pós-graduação em Memória Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro e, acredito, em muitas outras.
Quando escrevi meu primeiro perfil, o de Maria José Barbosa Lima, tinha apenas como objetivo conhecer mais a história pessoal de outras mulheres, suas trajetórias, principalmente daquelas que eu achava muito diferentes de mim. Nisso estava me inspirando em ninguém menos que Jean-Paul Sartre, quando justificou a biografia que escreveu de Gustave Flaubert. É uma das mais alentadas biografias de que tenho notícia, - em quatro volumes em francês, em cinco, em inglês, só o quinto volume da edição da Universidade de Chicago ocupando 632 páginas. Além dessa incrível extensão, é extraordinário o título que Sartre lhe deu, L'idiot de la famille. Sua justificativa de ter consagrado um tempo enorme de vida - de 1960 a 1971 - a escrevê-la, deixando de lado estudos de filosofia e aulas, foi: "Flaubert me parecia a pessoa mais diferente de mim possível". Na verdade, essa biografia é mais uma ficção-crítica, com análises freudianas do comportamento de Flaubert ou de possíveis comportamentos de Flaubert. Possíveis, porque Sartre afirmou certa vez em entrevista: "O que podemos saber de uma pessoa? Parece-me que esta pergunta só pode ser respondida pelo estudo de um caso específico".
Na verdade, escrever uma biografia é tarefa impossível. Como descrever a vida de uma pessoa? Nenhum de nós seria capaz de descrever sequer sua própria vida, sem muitas lacunas e muitíssimas distorções. As auto-biografias são muitas vezes ficções ou versões melhoradas e idealizadas de alguns episódios escolhidos pelo biografado. Nem os diários, sendo escritos para alguém ler - ou é possível acreditar que são escritos só como desabafo? - guardam a verdade do que fazem ou pensam os que os escrevem. Imaginem a dificuldade que é descrever, historiar, a vida de outrem.
Mesmo assim, resolvi escrever biografias de mulheres, e só de mulheres. Queria descobrir como saber mais de algumas colegas de gênero. Como seriam essas mulheres que me pareciam tão diferentes de mim? (Olhar o diferente é também se olhar.)
A primeira que despertou meu interesse de escritora - ou de repórter querendo escrever livros - foi, como disse acima, Maria José Barbosa Lima. Eu a via com frequência, sempre ao lado do marido, Barbosa Lima Sobrinho, discreta, amável, pequenina. A curiosidade foi aumentando a cada encontro. Perguntei então a seu filho Fernando, com quem eu já trabalhara, se ela me daria uma entrevista. Queria conhecê-la melhor, expliquei. Fernando me deu todo o incentivo: "Minha mãe vai adorar falar com você; ela tem histórias fantásticas e gosta de contá-las".
E aconteceu que, depois de meses de entrevistas, com ela, familiares e amigos, descobri não só uma mulher ativíssima, ousada (nada daquela mulher pendurada no braço do marido importante, como vemos, infelizmente, até hoje), como também aprendi muita coisa sobre Doutor Barbosa e a vida em Pernambuco nos anos 40 e 50. (Doutor Barbosa - só sei chamá-lo assim - foi governador de Pernambuco, seu estado natal, de 1948 a 51 e Maria José, paulista, fez então, lá, um grande e inteligente trabalho social.)
Foi a partir do que aprendi com esse livro - escreve-se também para aprender - que acrescentei ao meu objetivo inicial de saber mais sobre algumas mulheres que me despertavam curiosidade, a vontade de saber mais sobre a história recente do meu País, do ponto de vista feminino. Jenny e sua revista Walkyrias vieram a calhar.
Foi minha segunda biografia, ou perfil. (Prefiro perfil, ou esboço biográfico, porque sinto-me até hoje como jornalista e não como escritora. E os perfis são um dos mais interessantes gêneros do jornalismo. Além disso, já sabemos que biografias são impossíveis.)
Descobri Jenny, ou melhor, a revista Walkyrias, ao fazer uma pesquisa sobre imprensa feminina. A Biblioteca Nacional tinha quase toda a coleção de Walkyrias e, lendo muitos de seus exemplares, verifiquei que, apesar de ter como colaboradores as e os intelectuais mais importantes do Brasil à época, a revista era de fato de uma única pessoa, Jenny, que a dirigiu do começo ao fim, isto é, de 1934 a 1960. Durante o Estado Novo, foi a única voz das mulheres no Brasil, porque, depois de conseguirem o direito de votar e serem votadas, as feministas históricas caíram em silêncio. E a figura de Jenny, lutando desesperadamente para ser aceita, para ser famosa - hoje em dia ela estaria assediando os repórteres da Caras - , escrevendo romances à época considerados escandalosos, sendo amiga dos poderosos mas envergonhando a família paulista rural bem tradicional, me fascinou. Esta, sim, parecia não ter nada a ver comigo. Seu fim trágico - interna, sã, em um asilo, com o marido, que sempre fora uma sombra dela, doente - me emocionou. E pude, através do conteúdo da revista e dos seus livros - além de muita pesquisa mais - desenhar no livro um quadro mais ou menos amplo das mulheres jornalistas e escritoras da época, das vitórias-régias tão ridicularizadas por jornalistas como Joel Silveira às Lúcia Miguel Pereira e Adalgisa Nery, sempre citadas com elogios.
Daí para me dedicar especificamente a Adalgisa, foi um passo. Eu só a havia visto uma vez. Ela deputada estadual, eu jornalista. Conversava com um jovem deputado que era um bom informante de meu jornal, O Sol, quando entra no restaurante uma mulher de olhar duro, porte elegante, nariz adunco. Meu acompanhante pediu licença, dizendo sorridente "Cessa tudo quanto a antiga musa canta", e foi cumprimentar a senhora. Fiquei observando e descobri que conhecia aquele rosto. Quando ele voltou, com o olhar brilhante de emoção, comentei, provavelmente enciumada e certamente com a arrogância de quem era então jovem: "É Adalgisa Nery, não é? Mas ela é velha!" Ele não pestanejou: "É velha, mas é um tesão".
Não me lembrava conscientemente desse episódio quando apresentei à Prefeitura do Rio o projeto de uma biografia de Adalgisa Nery. Movia-me então a curiosidade de saber como uma mulher poderia ter tido dois maridos tão diferentes: o pintor surrealista Ismael Nery e o chefe da censura no Estado Novo, Lourival Fontes. E a poesia dela me interessou muito.
Por coincidência (coincidência? o que há com mulheres talentosas, sedutoras e fortes?), descobri que o fim de Adalgisa tinha sido bem semelhante ao de Jenny, em um asilo, onde se internou sem avisar a filhos ou amigos, estando perfeitamente bem. Só que Jenny perseguia em vão a fama, o sucesso, e Adalgisa teve os dois de sobra, embora mesclados a muito sofrimento. "Muito amada e muito só", foi o subtítulo que usei no livro.
Um dos fãs mais entusiastas de Adalgisa, e que colaborou para o livro, o crítico Wilson Coutinho, ficou triste com o resultado final de meu trabalho: "Ana, você não gostou de Adalgisa. Se eu fosse escrever essa biografia, iria mostrar uma pessoa queridíssima". Respondi que havia ficado entusiasmada com a personagem, mas que a mulher me dera a impressão de extrema frieza e, é claro, havia passado isso aos leitores. No que, outra questão se colocou: é preciso gostar de uma pessoa para biografá-la? E permaneceu durante meus dois trabalhos posteriores: Maria Martins e Lygia Lessa Bastos. Maria, amiga de Getúlio; Lygia, sua pertinaz oponente, udenista integral.
A carreira política de Adalgisa, sua cassação, sua amizade com Getúlio Vargas - houve até o boato, quando o diário de Getúlio veio à luz, de que ela teria sido sua amante, o que tenho certeza ser inverdade, pois jamais apurei qualquer indício desse romance - me haviam apontado outro caminho de pesquisa. Dei-me conta de que estava, nas minhas histórias de mulheres, rodeando o Estado Novo, a era Getúlio. Vou agora chegar mais perto: já pedi à família autorização para biografar dona Darcy Vargas.
Mas, voltemos às mulheres que já foram objeto de minhas especulações. Quando a editora Gryphus me encomendou uma biografia da escultora Maria Martins, fiquei bastante dividida. Uma grande alegria pela oportunidade, pois eu ainda estava sob o impacto das esculturas que vira na exposição dedicada ao Surrealismo, no CCBB, e com muita curiosidade a respeito de sua autora, se mesclou a um certo pânico. Como enfrentar uma personagem tão forte? É verdade que eu já tinha empreendido a tarefa de traçar o perfil de Adalgisa Nery, em muitos pontos semelhantes a Maria: a independência, o fascínio que exercia nos homens, o talento. As duas foram amigas de Frida Khalo; as duas tiveram dois casamentos com intelectuais bem diferentes um do outro. Maria, porém, era figura internacional e sua vida pessoal cercada de muitos segredos. A insegurança com a tarefa foi sendo substituída por uma grande determinação, quando fui entrando no universo desta incrível artista que foi também embaixatriz, amante de Marcel Duchamp e de Mondrian, mística, fã de Mao Tsé-Tung, amiga de Getúlio, Picasso e Rockefeller, grã-fina e meio hippie. Mandona, antipática para muita gente, genial.
O primeiro marido de Maria, Otávio Tarquínio de Sousa, autor da monumental - e que me encantou tanto na adolescência - História dos fundadores do império, teve pouco influência na vida dela. Mas a trajetória do segundo e definitivo marido, o competente embaixador Carlos Martins, companheiro firme, do momento do início do romance até a morte, despertou em mim a tentação de uma biografia em separado. Mas resisti; ainda há mulheres a desvendar.
A idéia de escrever um livro sobre Lygia Maria Lessa Bastos jamais me ocorreria há 40, 30, 20 anos. Mas, quando, em 1998, estava preparando a biografia de Adalgisa Nery, meu amigo Reinaldo Barros, que havia sido assessor de Adalgisa e que me deu então excelentes dicas, sugeriu: “Ana, você deve entrevistar Lygia Lessa Bastos; ela foi amiga de Adalgisa”.
Fiquei espantadíssima. “Aquela udenista, reacionária, com ar de general, amiga de Adalgisa, que foi do PTB e do PSB, poetisa?” (É verdade que também fora casada com Lourival Fontes, sabidamente fascista.) Reinaldo riu da minha reação e argumentou: “Acho agora mais importante ainda você falar com Lygia e conhecê-la. Vai ver que imagem equivocada tem dela, uma pessoa interessantíssima, adorável”.
Confiava nos julgamentos do amigo e decidi que era mesmo hora de rever mais alguns preconceitos. (Sim, porque a gente fica a vida inteira combatendo os preconceitos, muitos, aliás, que acredita não ter.) E liguei para “a fera”. Muito amável, ela concordou logo com a entrevista e, já no primeiro encontro, verifiquei o quanto Lygia era séria e valorizava a justiça.
Lygia ajudou muito no desenho do retrato de Adalgisa e a cada encontro nosso eu ia descobrindo novas qualidades nela: a coerência, a fidelidade partidária, só rompida pela fidelidade aos princípios, a firmeza mas não teimosia, pois sabe voltar atrás quando convencida, a preocupação permanente com a educação e com a defesa das mulheres. Pronto o livro de Adalgisa, adotei-a como amiga.
A idéia de registrar sua trajetória política veio bem depois. Lygia me contava episódios de sua vida de vereadora, de constituinte, de deputada, me falava do pai, do avô. Mas foi quando a descobri, além de recordista em mandatos parlamentares, pioneira nos esportes e amiga das artes e de artistas, que me dei conta da história que tinha nas mãos. Propus escrever esta história e ela aceitou, depois de confessar que há algum tempo começara a ditar suas memórias em gravador, mas que parara porque lhe veio a preocupação de não ferir ninguém e, por isso, preferia que outra pessoa escrevesse sobre ela, seus afetos e desafetos.
É outro problema de quem quer fazer perfis biográficos de pessoas vivas: desagradar o biografado e/ou seus familiares ou falsificar um tanto a história? Foi um equilíbrio difícil no caso de Lygia.
Aos 90 anos, completados dia 09 de setembro, Lygia Lessa Bastos não para: vai a bingos e shows beneficentes ou de artistas que estão menos valorizados pelo mercado, cultiva os amigos, ajuda os que estão em dificuldades, acompanha o teatro e a música que se produz no Rio de Janeiro. Parlamentar durante 36 anos, mora em pequeno apartamento no Catete, se veste com simplicidade, não impõe suas opiniões e está sempre de bom humor. De paz com sua consciência e com a vida. Valeu a pena vencer alguns preconceitos, desvendá-la e, espero, fazê-la mais conhecida das novas gerações.
Lygia, antigetulista, admirava a senhora Darcy Vargas. Ao ver a foto da vereadora entregando à primeira-dama o diploma de carioca honorária, decidi que tinha uma nova candidata a objeto de minhas indagações. Que são um tanto patrióticas, um tanto feministas, um tanto pessoais. Só não sei se o resultado é literatura.
Ana Arruda Callado
CONTATO: JÔ A. RAMOS
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